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O dia em que eu entendi como uma mulher se sente

Atualizado: 4 de fev. de 2020

Era fevereiro de 2018. Eu estava caminhando em uma praça, voltando do trabalho para casa: foi quando aconteceu.


Era pelas seis da tarde, dia ensolarado, horário de verão (saudades). Eu caminhava pela praça da Redenção em Porto Alegre, quando um carro encostou do meu lado. Olhei e o senhor que dirigia sorriu pra mim. Ele falou alguma coisa, mas eu estava escutando música nos meus fones, então não ouvi. Continuei caminhando, e ele veio atrás.


Quando olhei de novo o carro estava andando na mesma velocidade que eu, e ele me olhava com um sorriso estranho. Pensei que devia estar me confundindo com alguém, mas seu olhar me deu medo. Comecei a caminhar mais rápido.


Quando olhei pra trás vi que lá vinha ele de novo. Não, ele não estava me confundindo. Não, ele não queria uma informação. Atravessei a rua, mas percebi que ele continuava me cuidando de longe. Ele estava me perseguindo, me assediando.


Continuei caminhando rápido em direção a um cruzamento com outra avenida, onde ele não conseguiria mais me seguir com o carro. Vi que ele fez o retorno em minha direção, mas nisso a sinaleira de pedestres abriu e atravessei sem olhar pra trás. Meu coração batia forte e minhas mãos suavam, meu corpo estava em estado de alerta.


Quando cheguei em casa, contei o que tinha acontecido pra Fran, minha companheira. Ela, com um olhar compreensivo, me disse: "Isso que era um senhor né... Imagina se fossem quatro homens grandes e fortes, o que tu teria feito?"


"Eu teria saído correndo na hora", respondi.


"Pois é, é assim que eu me sinto toda vez que eu saio de casa", ela disse.


E nessa hora, eu entendi. É assim que uma mulher se sente toda vez que sai na rua, porque a cada dois passos um homem vira o rosto para analisar sua bunda. A cada metro um homem a olha com perversão. A cada esquina um homem vai pensar em estuprá-la.


Não são casos isolados. A cada hora, 536 mulheres são violentadas no Brasil, um caso a cada menos de 7 segundos. No último ano, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas no nosso país. E quem faz isso? Sim, somos nós, homens.


Eu me sinto primeiramente envergonhado em saber disso, até porque já cometi assédios, como contei em “Como aprendi a ser homem”. Mas, além disso, me sinto responsável. Quero saber, por que isso acontece? De onde vem tanta raiva, tanta perversão, tanto ódio? Pesquisei, conversei, vivi. E entendi que essa resposta não cabe a mim, mas a cada homem. Cada um de nós deve olhar para sua própria história de vida, sua criação, suas influências, seus desejos. Cada um deve se apropriar de como aprendeu a ser homem. Então, ao fazer isso, cada um deve se perguntar:


"Eu aprendi a ser homem assim. E é isso que quero continuar propagando no mundo?"


Homem, chegou a nossa hora. As mulheres já sofreram demais. Nós também já sofremos demais, pois o machismo também nos mata (sabia que a cada 4 pessoas que se suicidam no Brasil, 3 são homens?).


Mas essa história não chegou no final, e está na hora do ponto de virada. Reflita sobre sua criação, se lembre das frases que você escutava quando era criança, observe seu comportamento em relação às mulheres, pense sobre que semente você está plantando.


Mudar dói, exige esforço, às vezes dá vontade de desistir. Mas é o único caminho para vivermos em paz.

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