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VIPASSANA — A meditação de Buda

Senti paz. Dor. Pensei e repensei a vida. Madruguei. Meditei. Meditei. Meditei. Aprendi a arte de viver.


Vipassana é uma técnica de meditação criada por Sidarta Gautama — Buda. São 10 dias de silêncio — você não fala, não mexe no celular, não escreve, não lê, não se comunica com os outros nem com o olhar. E medita 10 horas por dia.


Pra você ter uma ideia, essa foi minha rotina durante esses 10 dias:


04h00 — Chamada para acordar 04h30 — Meditação 06h30 — Café da manhã e descanso 08h00 — Meditação 09h00 — Meditação 11h00 — Almoço e descanso 13h00 — Meditação 14h30 — Meditação 15h30 — Meditação 17h00 — Lanche da tarde e descanso 18h00 — Meditação 19h00 — Palestra 20h15 — Meditação 21h00 — Perguntas abertas aos professores 21h30 — Apagam-se as luzes


Se parece algo distante, eu te digo: eu nunca tinha meditado 1 hora contínua em toda vida, e eu cheguei até o final. Tem gente que vai e foge, mas é a minoria — lá você entende que fugir do retiro é fugir de si mesmo.


E sabe o que é incrível no Vipassana? É tudo organizado de forma voluntária, todas as pessoas envolvidas oferecem seu trabalho gratuitamente. Além disso, você paga quanto puder e quiser. Todo o curso é financiado através de contribuições financeiras espontâneas e conscientes, e você só pode pagar se completar os 10 dias de trabalho.


Sim, é trabalhoso! Não pense que é fácil, enfrentar seus antigos traumas e construir um novo padrão de comportamento da mente é trabalho para uma vida, e lá se aprende a como fazer isso.


Me diz uma coisa:


• Você se irrita no dia a dia?


• Tem raiva de outras pessoas?


• Sofre muito quando uma pessoa querida morre?


• Tem medo da morte?


Se você respondeu “Sim” para uma ou todas as perguntas, eu te digo: você sabia que tudo isso não precisa ser parte do seu comportamento, e que você pode viver uma vida feliz, cheia de amorosidade, afeto, compaixão e leveza? Eu sei porque eu já disse “sim” a todas essas perguntas, e hoje, embora ainda não diga 100% “não” a nenhuma delas, estou cada dia mais perto — afinal, é o caminho de uma vida.


Lá, além das meditações, tem todo dia uma áudio palestra que dura uns 75 minutos. É a experiência de ter uma aula com o próprio Sidarta Gautama, pois são os ensinamentos dele que, transmitidos durante 25 séculos através de uma cadeia ininterrupta de professores, chegaram até Satya Narayan Goenka, que foi um catalisador para espalhar a técnica pelo mundo — existem hoje 201 centros de Vipassana espalhados por todos continentes, além de 140 “não-centros” (locais alugados que realizam o curso).


Todo o curso é conduzido por S.N. Goenka, através de uma série de áudios. Há também professores assistentes, uma mulher e um homem, que são quem tira as dúvidas. Duas vezes por dia você pode fazer perguntas — no horário do almoço você pode agendar uma “entrevista privada” de até 5 minutos, e depois da última meditação do dia você pode fazer perguntas na sala de meditação. Eu fiz duas entrevistas privadas, foram importantes para tirar minhas dúvidas sobre aspectos práticos e filosóficos da técnica que estavam me incomodando.


Vipassana é para todas, todos e todes. Não tem caráter religioso nem sectário, você pode ser de qualquer religião e não precisa parar de seguir sua fé.


Nas palestras, através de ensinamentos científicos sobre a Lei da Natureza você aprende uma técnica para erradicar o sofrimento da sua vida, vivendo em uma constante de amor e compaixão. Essa parte era a que eu mais conseguia saborear. Na palestra o professor Goenka descrevia como eu estava me sentindo, e ia dando explicações científicas e práticas sobre como evoluir na técnica.


Já nas meditações, que é quando você de fato pratica a técnica, eu não conseguia curtir tanto. Nos primeiros dias os pensamentos vinham e eu logo me jogava neles, e aí ficava vários minutos lembrando coisas sem importância naquele momento e esquecendo de observar a respiração. Tudo bem, toda vez que me dava conta voltava à técnica com um sorriso no rosto, até porque se irritar vai no sentido contrário do que é proposto.


Vipassana é um método para mudar o padrão comportamental da mente: estamos acostumados a, ao sentir qualquer sensação (dor, coceira, tensão, cócegas) reagir. Tentamos massagear o local da dor, coçar onde coça, alongar onde está tenso. O problema com isso é que toda e qualquer sensação, seja agradável ou desagradável, tem uma característica em comum: ela passa. A coceira passa em alguns segundos, a dor, em algumas horas, talvez dias — mas passa, tudo passa. Então eu aprendi a, ao invés de reagir, observar.


Meditando 10 horas por dia eu tive muita dor, especialmente nas costas, e especificamente a partir do dia 6. Alguns amigos tinham me dito que a partir do 3º dia o corpo se encaixava e a dor diminuía, mas pra mim foi ao contrário. Como eu estava com medo de travar minha coluna, como já me aconteceu duas vezes na vida, eu levei uma cadeira de meditação, daquelas que não tem pernas, só uma almofada e um encosto.


Nos primeiros dias eu usei a cadeira como é recomendado, sustentando só a lombar com ajuda de uma outra almofada, sem largar as costas na cadeira. Só que na meditação da manhã do dia 06 eu relaxei, larguei todas costas na cadeira e fiquei ali bem feliz. O problema foi depois. Isso fez com que surgisse uma dor agonizante nas costas, que não passava de jeito nenhum. Aí vem a técnica pra salvar: quando eu senti essa dor, olhei bem pra ela e percebi que aquela bola de dor não era só dor. Ali tinha tensão, tinha calor, tinha pulsação. A dor continuava ali, mas era só física, não mental, e tinha agora uns 20% do tamanho que eu sentia no começo. Continuei sentindo ela por vários dias, mas agora já passou.


Em 10 dias testei muitas posições de meditação. De perna de índio, sentado sobre os joelhos, sentado na guarda da cama, sentado no chão com os joelhos na frente do peito… fui testando e encontrando o que fazia sentido naquele momento. E a dor vem, mas também vai. O aprendizado fica.


Aprendi a não reagir, a observar a impermanência das sensações — Annicca, como dizem em Páli, a língua do Buda. Essa mudança é simples, mas muito profunda e poderosa.


Não reagir não se trata de não se irritar, não sentir raiva ou medo. Se trata de, ao se irritar, não alimentar essa irritação, mas sim observá-la, observar a sensações que vem no corpo: o frio na barriga, a tensão nos punhos, a pulsação mais rápida, a respiração desritmada. Não se trata de tentar controlar essas sensações, mas de observá-las — elas passam.


Quanto antes passamos de “reagir à irritação” para “observar a irritação”, tanto antes a irritação perde a força e se desfaz. Pode demorar algumas horas como pode demorar alguns segundos. Aprendi lá até a observar o espirro. Quando vem aquela vontade louca de espirrar eu observo: a parte interna do nariz queima, os poros se abrem, chega a lacrimejar os olhos, e eu observo — e passa. Sem trancar o nariz, sem fazer força, apenas prestando atenção nas sensações do corpo.


Admito que fiquei desde o começo contando os dias para acabar, mas quando chegou no fim já começou a dar até uma nostalgia. Não que eu quissesse ficar, estava contando as horas pra chegar em casa, mas aprendi tanto que me lembro com muito carinho de cada dia vivido. Quando estava lá pensei que nunca mais voltaria, mas agora já sei que em breve voltarei para servir (cozinhar para os outros como cozinharam para mim) e em seguida voltarei a meditar por 10 dias — e deixar para trás mais camadas e camadas de traumas que não me servem mais.


Vipassana é capaz de curar qualquer vício, qualquer dor. Porque quem cura você é você. Sua mente é quem opera sua própria mente e a purifica, extrai todo trauma, toda impureza. Vipassana é sobre amar a si para poder amar o outro, cuidar de si para poder cuidar do outro, e assim, juntos, seguirmos caminhando para um novo padrão, onde quem manda não é a mente, e sim o coração.


bhavatu sabba mangalam — que todos os seres sejam felizes



A roda da vida

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